Francisco Domingues · http://www.diariodeunsateus.net/
1
- «Em São João, lemos que "no princípio era o Logos, e o Logos fez-se
carne". O Logos é uma pessoa. Deus encarnou em Jesus Cristo. O divino já
não se confunde com o cosmos, o Universo anónimo, mas é uma pessoa.»
Desculpem-me, mas esta afirmação, tal como a de "João", não passam de
uma simples opinião. Eu respeito, mas, para mim, não têm qualquer valor
do ponto de vista do real que nos rodeia, do átomo ao Universo,
integrados que estamos no Tempo.
2 - Exactamente porque somos filhos do Tempo, partículas unidas, por acaso num ser com vida, não teremos outra eternidade possível senão a pertencente ao Cosmos/Universo que será, logicamente infinito e eterno, confundindo-se com a ideia máxima de Deus.
3 - Pessoalizar Deus e fazê-lo interessar pelo Homem é de presunção inconcebível para um ser racional que pensa o Universo e o Tempo e de um non-sense total. Mas quem quiser acreditar nesse Deus-Pai-Amor, poderá sonhar muito mais bonito do que os que navegam por outras águas...
2 - Exactamente porque somos filhos do Tempo, partículas unidas, por acaso num ser com vida, não teremos outra eternidade possível senão a pertencente ao Cosmos/Universo que será, logicamente infinito e eterno, confundindo-se com a ideia máxima de Deus.
3 - Pessoalizar Deus e fazê-lo interessar pelo Homem é de presunção inconcebível para um ser racional que pensa o Universo e o Tempo e de um non-sense total. Mas quem quiser acreditar nesse Deus-Pai-Amor, poderá sonhar muito mais bonito do que os que navegam por outras águas...
1 As
sabedorias filosóficas antigas, orientais e da Grécia, elaboraram
"espiritualidades" em ordem a uma vida boa, sem passar nem por Deus nem
pela fé. Foi frente a essas sabedorias que o cristianismo, a partir da
sua herança judaica, ergueu uma orientação nova, religiosa, de salvação,
enraizada na fé num Deus pessoal, transcendente e criador. Essa nova
representação foi "tão atraente e prometedora" que triunfou durante
séculos sobretudo na Europa. Esta é a tese desenvolvida pelo filósofo
não crente Luc Ferry, antigo ministro da Educação em França. O que é
facto é que, "entre o século V e o século XVII, o Ocidente foi
essencialmente cristão, cultural e filosoficamente cristão, de tal modo
que a filosofia moderna, a partir do século XVII, mesmo quando foi
crítica em relação às religiões, até resolutamente ateia, não deixou de
ser marcada de modo decisivo por esta herança religiosa". O fundo de
cultura judeo-cristã é omnipresente e por isso "é indispensável" que
mesmo os não crentes se interessem e captem os traços fundamentais dessa
cultura, para "se compreenderem a si mesmos e compreenderem o mundo
dentro do qual vivemos", escreve Luc Ferry. A pergunta é: "Que havia de
tão profundo, de tão sedutor, atraente e fascinante na mensagem de Jesus
(e concretamente no que se refere à morte que injecta sempre a angústia
no coração dos homens), para ter-se arrogado com tanta força o
monopólio da definição legítima da salvação e da vida boa, em detrimento
das espiritualidades filosóficas que formavam o essencial das
sabedorias antigas?"
2 "O
primeiro e mais importante ponto de ruptura" com as grandes cosmologias
e sabedorias antigas "situa-se na personificação do divino". O cosmos, o
Logos eram divinos, o divino era o cosmos, o Logos. Ora, logo no início
do Evangelho segundo São João, lemos que "no princípio era o Logos, e o
Logos fez-se carne". O Logos é uma pessoa. Deus encarnou em Jesus
Cristo. O divino já não se confunde com o cosmos, o Universo anónimo,
mas é uma pessoa. Já não estamos dentro de uma ordem impessoal e
anónima, e isso "implica uma mudança radical na relação com Deus".
Aliás, foi com o cristianismo que se deu a descoberta da pessoa e a
afirmação de que todos os seres humanos são pessoas, o que não acontecia
nem na Grécia nem em Roma.
Por outro lado, a nova atitude do homem perante o Deus pessoal só pode ser a da confiança, da fé (fides,
donde vem fé e confiança). A entrega confiada a Cristo e a Deus é que é
decisiva. Daqui provém uma nova relação entre fé e razão: crer para
compreender, compreender para crer.
3 O
nascimento da moral cristã constituiu uma ruptura radical com as éticas
aristocráticas gregas. "Primeiro passo para a democracia moderna, para
os direitos do homem e para a ideia de igualdade, a moral cristã faz
literalmente voar em estilhaços os princípios fundamentais das grandes
éticas aristocráticas gregas. Estamos perante uma revolução de uma
amplidão abissal, verdadeiramente a única revolução moral realmente
importante desde há dois mil anos: crentes ou não, vivemos ainda
assentes em valores elaborados pelo cristianismo". Aliás, "não é por
acaso que a democracia moderna foi instaurada num mundo culturalmente
cristão e em mais lado nenhum".
Isto
vê-se bem na parábola dos talentos. O terceiro servo, com um talento
apenas, teve medo e enterrou-o. Ora, "o medo é o contrário da confiança,
da fé" e, por isso, o senhor insulta-o. Contra a visão moral
aristocrática, "a dignidade de um ser não depende dos talentos recebidos
à nascença, mas do que se faz deles, não da natureza e dos dons
naturais, mas da liberdade e da vontade, sejam quais forem os dons à
partida". Há desigualdade por natureza, mas "é o trabalho que valoriza o
homem, não a natureza". Isto é uma revolução, pois "introduz a ideia
moderna de igualdade entendida no sentido da igual dignidade dos seres,
independentemente dos talentos naturais". Como teorizará Kant, não é a
força, a inteligência, a beleza, etc. que são fonte de moralidade, pois
pode-se usar esses dons na direcção do bem ou do mal; por isso, é a
liberdade, a vontade boa, que constitui a moralidade; a virtude depende
do dever-ser e não das disposições naturais.
4
Jesus revela Deus como amor incondicional, que, portanto, não abandona
os seus nem sequer na morte. Deus é um Deus de vivos e não de mortos.
Contra a eternidade impessoal proposta pelas filosofias do cosmos, o
cristianismo promete que "nunca morreremos verdadeiramente, que nunca
estaremos sós, que seremos sempre amados, e que reencontraremos após a
morte os seres que nos são queridos". Sem Deus pessoal e salvador, na
morte só resta a dissolução no Todo impessoal e anónimo. "Na medida em
que se acredita, a promessa de Jesus é incomparável, infinitamente mais
exaltante e mais sedutora do que a de ser um grão de pó cósmico, cego e
anónimo, para a eternidade." É cada um que é pessoalmente convocado e
que pessoalmente tem de decidir. "O que confere à promessa de
imortalidade uma aura propriamente inigualável" é que está em conexão
com "uma filosofia do amor de uma rara profundidade. É pelo amor que
somos salvos da morte". Deus é amor e o amor é mais forte do que a
morte.
VIDE TAMBÉM
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Dr. Ariel Álvarez Valdés – ¿Qué dice la Biblia sobre el Infierno? : El ...
www.elenciclopedista.com.ar/dr-ariel-alvarez-valdes-¿que-dice-la...
- Dr. Ariel Álvarez Valdés.
-Este artículo publicado originalmente en dos partes, ha sido recopilado por el teólogo español Xabier Pikaza ...
5 Em A Gaia Ciência,
Nietzsche pôs um louco a proclamar a morte de Deus: "Para onde foi
Deus? Matámo-lo. Nós somos os seus assassinos." E este foi o maior feito
da humanidade. Mas agora é o niilismo. E "que significa o niilismo?",
pergunta Nietzsche, para responder: "Que os valores mais altos perdem o
seu valor." Por isso, continua o louco: "Para onde nos leva a nossa
corrida? Há ainda um em cima e um em baixo? Não andamos à deriva através
de um nada infinito? Deus morreu. Como nos consolaremos?"
É preciso ser consequente: se tudo caminha para o nada e se afunda no nada, já tudo é nada. E o que é que verdadeiramente vale?
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